Casa Ubiracica

São Paulo, SP

ficha técnica

Ano:
1996
equipe:
Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz, Anderson Freitas e Fabio Mosaner
Área:
300m²
Premiações:
-
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Imagens
Nelson Kon, Arnaldo Papalardo e Acervo Brasil Arquitetura
Descrição:
Não há, no desenho desta residência para o bairro paulistano de City Boaçava, à exceção das escadas metálicas e da lareira alentejana com piso de pedras negras, um só traço que escape da ortogonalidade pura e simples. Mesmo as coberturas dos volumes são planas e transformadas em espelhos-d’água termoisolantes habitados por carpas. Essa austeridade antiformalista, sem dúvida tributária de alguns aspectos marcantes da chamada escola paulista de arquitetura, em cujo rigor disciplinar se formam os autores, é entretanto matizada de modo muito particular por irrupções de lirismo e evocações vernaculares. A estreita convivência entre subordinação funcional e soluções espontâneas de memória popular ou tradicional brasileiras caracteriza um estilo próprio que, com grande sentido de conveniência e grande apreço ao fazer construtivo, rechaça as retóricas formais e culturalistas.

O programa se organiza segundo blocos funcionais volumetricamente diferenciados e funcionalmente demarcados quanto à natureza dos seus usos, tendo em vista um gradiente público/privado sem lacunas: estar e biblioteca sociais, escritório e sala de jantar intermediários, dormitórios, cozinha e convívio íntimos. Os ambientes estão dispostos linearmente segundo um eixo longitudinal de desenvolvimento do terreno, em ligeiro aclive. Alinham-se segundo o eixo longitudinal incisivo de uma lâmina estrutural que vai sucessivamente se definindo como marquise, passarela, galeria e corredor. Ela constitui um meio prático de integração funcional e, ao mesmo tempo, um elemento de representação simbólica da descoberta gradativa dos espaços, com suas qualidades e surpresas. Em seu desenvolvimento vai seccionando planos e espaços, integrando os ambientes de forma inequívoca mas controlada.

Desde a frente até os fundos, o itinerário começa por uma vitrine junto ao acesso principal da casa. Trata-se de um viveiro de pássaros que prenuncia outros ingredientes vernaculares incorporados mais além. O volume laminar intercepta lateralmente o volume compacto do salão de estar de pé-direito duplo, transformando-se internamente em jirau-passarela, junto ao qual se acomoda, em dois níveis superpostos, a biblioteca, enquanto o percurso prossegue rumo aos quartos. Antes disso, ao passar sobre o escritório, ganha ares de galeria envidraçada, espécie de hiato entre os blocos da frente e dos fundos, dando para um pátio interno por onde se alcançam as coberturas desfrutáveis. Em pleno território da intimidade doméstica, o eixo de circulação se materializa como corredor avarandado, completando, do quarto de hóspedes à suíte dos proprietários, o roteiro dessa interiorização progressiva.

Se no piso superior o eixo tudo subordina, no piso inferior e nas áreas externas ajardinadas os espaços se comunicam de maneira fluida, através de uma integração visual controlada por sutis deslocamentos, pausas, diferenciações no tratamento das superfícies e aberturas, sempre no sentido de uma acomodação empírica do vivenciado, de uma individualização dos ambientes que rechaça o continuum espacial isotrópico dos racionalismos mais dogmáticos.

CALDEIRA, Vasco. Casa Ubiracica. In: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 134.