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Vencedor Prêmio IAB-SP 1998, categoria Edificações – Projeto, Instituto de Arquitetos do Brasil, São Paulo
Descrição:
Seguindo as margens do rio Tamanduateí – que nasce no alto da serra de Paranapiacaba, a barreira histórica entre São Paulo e o litoral –, desenvolveu-se desde sempre um caminho que acabou se tornando um importante corredor de ligação entre a cidade de São Paulo e o porto de Santos.
Trilha para mulas e pedestres, com trechos de transporte fluvial, esse primeiro caminho é substituído definitivamente pela ferrovia no fim do século XIX. As linhas estenderam-se a certa distância do sinuoso leito do rio, buscando terrenos mais secos. O desenvolvimento dos municípios ribeirinhos do chamado ABC paulista, a sudeste de São Paulo, muito deve, na sua origem, à presença da estrada de ferro.
Em meados do século XX o modo rodoviário de transporte passa a predominar e com ele se desenvolvem os serviços de terraplenagem. O rio é retificado e suas várzeas aterradas, enquanto avenidas são lançadas junto às margens, criando-se novas condições de acesso e recuperando-se para a urbanização amplas áreas antes inundáveis. Ampliando uma tendência histórica caracterizada pela localização de indústrias às margens da ferrovia, o eixo rodoviário em paralelo cria uma espécie de cinturão industrial ao longo da extensa faixa compreendida entre o rio canalizado e a via férrea. Trata-se de uma zona de trabalho e de circulação de pessoas e mercadorias que, organizada em função da atividade fabril, praticamente não conta com a presença de habitação, comércio e serviços.
A partir dos anos 90 o ABC industrial observa o declínio de sua principal atividade econômica. Muitas indústrias abandonam a região, buscando custos de operação mais reduzidos em zonas industriais emergentes. Os poderes públicos aproveitam a perspectiva de mudança para redefinir o perfil econômico e funcional da região. O ponto alto dessa nova política é o lançamento, em 1999, pela Prefeitura de Santo André, do programa Eixo Tamanduateí, através do qual se pretendia redesenhar a infra-estrutura e o ambiente construído, introduzindo como funções centrais do novo eixo terciário justamente a moradia, o comércio, os serviços privados e institucionais e também o lazer.
A prefeitura antecipa a megaintervenção, mas restringe o projeto, de início, à realização de um novo terminal rodoviário intermunicipal para a cidade de Santo André, integrado à estação ferroviária existente. Os terrenos disponíveis estavam localizados na zona compreendida entre o rio canalizado e a avenida Industrial, paralela à estrada de ferro, junto a um viaduto de transposição da via férrea, até então a única ligação entre os dois flancos dessa extensa faixa, desertificada pelas dificuldades de acesso e pela evasão industrial. O entorno se caracterizava por uma mistura de fábricas em atividade, galpões desocupados e terrenos vazios, que completavam a desolada paisagem de uma no man’s land suburbana.
Para responder a essa situação, o projeto extrapola a encomenda e inverte o eixo inicialmente proposto para o desenvolvimento da nova rodoviária – paralelo aos trilhos – e que deveria ainda ter a estação ferroviária como referência. Como alternativa, é desenhada uma imponente passarela de pedestres coberta que transpõe a linha de trem para articular, em suas extremidades, duas novas estações rodoviárias, uma intermunicipal e outra para os ônibus de linhas urbanas locais. Essa ponte, que une duas áreas da cidade até então de difícil comunicação, é também uma rua de pedestres que oferece infra-estrutura para a instalação de comércio.
Construídos em estrutura metálica a partir da combinação de quatro tipos de perfis-padrão especialmente desenhados – uma meia ferradura, uma curva, uma reta e uma junção curva –, a passarela e os dois terminais apresentam, sob suas coberturas curvas de telhas metálicas brancas, uma seqüência de espaços arejados, iluminados e funcionais, de circulação fácil e confortável graças ao uso combinado de rampas e escadas rolantes. A estrutura metálica constitui uma resposta técnica à rapidez de execução exigida e ao problema representado pelas diferentes alturas a serem transpostas sobre a via férrea, cujo tráfego não poderia ser interrompido.
Entre os dois terminais de ônibus, no trecho em que a passarela sobrepassa a ferrovia, uma área foi destinada à construção de nova estação de estrada de ferro. Articulada aos saguões dos terminais de transporte, a passarela-corredor de passagem transforma-se em mezanino, destinando o piso inferior às atividades diretamente ligadas à função primeira dos equipamentos – plataformas de embarque, salas de espera, bilheterias, guarda-volumes, guichês de informação, sanitários –, porém mantendo, no nível da passarela, as áreas destinadas às atividades paralelas, como comércio e alimentação.
Transformado em complexa operação urbanística, esse edifíciorua (ou edifício-ponte), abrigando multiplicidade de funções e fluxo intenso de pedestres, passou a desempenhar, funcional e simbolicamente, o papel de novo foco de centralidade urbana para a cidade de Santo André. Pela especificidade e clareza de sua arquitetura, na contramão de projetos de rodoviárias tristes e fechadas que se tornam focos de degradação das regiões onde se situam, o edifício veio a se tornar elemento de integração e importante marco referencial na paisagem de uma região em busca de identidade, ponto de partida para sua humanização.
SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Terminal Rodoferroviário. In: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 66.
Edifício-ponte
A palavra rodoviária costuma trazer a lembrança da solidão da espera, da falta de comodidade, do estar provisório, além de evocar os velhos e novos perigos das nossas cidades. Em Santo André, ao nos depararmos com o desafio de negar esse estigma do desconforto urbano, apoiamo-nos na crença de que a cidade tem cura.
Uma rodoviária não precisa ser o simples chegar e partir, mais ainda quando construída próxima de um nó urbano de viadutos, ferrovia, via expressa (a avenida dos Estados) e rio (o Tamanduateí).
Projetamos um edifício-rua que liga novamente os tecidos urbanos dilacerados e divididos ao longo do tempo de crescimento, ou inchaço, sem controle de nossa metrópole.
Essa estrutura atende ao terminal rodoviário intermunicipal, à ferrovia de trens rápidos em implantação (CPTM), ao terminal de ônibus urbano e ao transeunte, que, a pé, pode cruzar os vários obstáculos com comodidade, abrigado, desfrutando a paisagem industrial dura e bela. Um equipamento urbano de porte metropolitano, uma intervenção pontual que se irradia pela cidade em contágios múltiplos de melhoria e conforto: esta é a rodoferroviária de Santo André.