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Sabemos que, cada vez mais, em todo o mundo, a vivência de experiências originais é extremamente valorizada. Busca-se o que é único, singular. Com este espírito, desenha-se o projeto apresentado a seguir, no qual beleza e conforto, antigo e contemporâneo mesclam-se no extraordinário conjunto histórico.
Apresentamos aqui alguns critérios de intervenção que orientam a criação de um hotel com o aproveitamento, preservação e adequação das ruínas do antigo convento franciscano de Santo Antônio do Paraguaçu a este novo uso.
O convento franciscano possui um passado remarcável na história do Brasil, que não cabe ser aqui repetido, uma vez que seu registro de tombamento como patrimônio nacional (Iphan, 1941), de conhecimento público, relata com rigor e precisão seu valor enquanto patrimônio material.
Tendo sido abandonado há mais de 100 anos, vem sofrendo todo tipo de desgaste em um processo contínuo que pode ser lido nas paredes e muros remanescentes. Paredes que guardam também marcas recentes, inclusive de décadas passadas, de intervenções pontuais em prováveis tentativas emergenciais de salvação de partes muito danificadas. Intervenções essas que não miraram um uso específico definido, mas somente o reparo momentâneo e parcial no sentido de evitar alguma progressão de arruinamento.
O ANTIGO QUE SE REINVENTA EM NOVO
O que se apresenta agora é uma proposta concreta de trazer nova vida ao conjunto: o uso contemporâneo como hotel, com o aproveitamento máximo das estruturas remanescentes originais, em sintonia com a memória guardada, seja ela física ou simbólica, em cada espaço, parede ou pedra. Para a implantação do novo programa de uso, foi considerada ao máximo a estrutura original de funcionamento do antigo convento, onde celas se traduzem em apartamentos, refeitório em restaurante, áreas de encontro e celeiro em ambientes de lazer e jogos, cozinha em cozinha, claustro em claustro e assim por diante. No novo projeto, o antigo convento dá “dicas” de soluções engenhosas.
Mas o projeto ora apresentado pretende também revelar aspectos já desaparecidos do conjunto conventual, que hoje não passa de uma ruina visitável. O principal ponto será a recuperação da lógica de funcionamento de sua estrutura espacial arquitetônica, mesmo que para as novas funções hoteleiras. Para isso, utilizaremos tecnologia e elementos arquitetônicos contemporâneos que, por contraste, farão este papel, ao resgatar trajetos e visadas do antigo convento. Trata-se da possibilidade de reinvenção do patrimônio dentro de um novo tempo, em uma nova vida.
A TECTÔNICA REVELADA NO USO
Tudo que for possível recuperar e reconstruir dentro do princípio de aproveitamento de materiais remanescentes e ainda presentes no canteiro será recuperado e reconstruído. As fortes e antigas paredes de alvenaria mistas de pedras e tijolos voltarão a funcionar como estrutura real dos novos pavimentos e da nova cobertura de concreto armado em laje jardim. Não se pretende dar a elas o tratamento cenográfico de relíquias intocáveis. Serão úteis novamente no suporte de um novo edifício dentro de um casco antigo, e evidenciadas sempre que possível em diálogo com os novos elementos construtivos.
A laje jardim da cobertura, por exemplo, assim como a laje intermediária, é peça fundamental para reestabilizar e travar as antigas paredes do convento (essas mesmas paredes que a sustentarão), garantindo a rigidez do conjunto e estancando o processo de arruinamento.
Nas áreas destinadas ao restaurante e à convivência (térreo e subsolo), por exemplo, serão mantidas as paredes nuas, sem reboco, mas recuperadas e estabilizadas, convivendo com materiais contemporâneos nos pisos, forros e esquadrias. Será uma “licença poética” arquitetônica que, ao mesmo tempo que reforça dramaticamente a ambientação interna, revela técnicas e materiais, ou seja, modos antigos de construção. É um resgate patrimonial que não cria ruído de interpretação ou de leitura do todo construído.
O BRANCO DA CAL QUE UNIFICA
Neste mesmo sentido, será adotado o revestimento externo de todo o conjunto com argamassa, caiada em branco com a textura e pinturas originais (exceto nas partes em cantaria como cunhais, peitoris, umbrais e vergas), no sentido de reforçar a unidade do conjunto igreja/convento, sem interrupções ou falsas divisões que possam dificultar sua leitura e/ou sugerir interpretações falso-históricas. Por serem elementos anômalos na continuidade do conjunto (volume ou massa construída), o aqueduto e a chaminé da cozinha original poderão ser destacados por seus valores expressivos singulares, mantendo sua alvenaria exposta ou reboco antigo (estabilizados).
A ESPACIALIDADE RESGATADA
A varanda envoltória do antigo claustro será refeita, não somente pela necessária área de circulação coberta e abrigada de chuva e sol no futuro hotel, mas também como recuperação da espacialidade original deste ambiente, presente em todo convento franciscano da época. As oito colunas originais de pedra ainda existentes, bem como as partes remanescentes das colunas de esquina, serão mantidas em suas posições. Mais oito colunas deverão ser feitas em cantaria – com pedras similares e por profissionais gabaritados – para completar o colunato da varanda envoltória do claustro. Dessa forma será recuperada a ambientação em escala e ritmo originais do claustro franciscano. O pavimento superior será refeito somente em dois dos quatro lados, em função da circulação do hotel. Para a estrutura do piso superior e da cobertura dos dois níveis, optou-se pelo uso de estruturas novas em aço e concreto e, ao invés de telhados inclinados como originalmente, lajes jardim planas, onde a vegetação “adoça” sua conexão com os velhos muros do convento. Assim, estará estabelecido um novo diálogo de tempos distantes.
Essa mesma solução adotada no claustro, em aço e concreto com laje jardim, será utilizada nos dois novos blocos de apoio acrescidos ao conjunto, no pavimento térreo, imprescindíveis para o funcionamento pleno do futuro hotel, todos eles agregados externamente ao convento. O primeiro, junto à cozinha para complemento dos serviços, e o segundo, junto ao restaurante como bar aberto e varanda de conexão com os futuros apartamentos a serem construídos no horto/jardim. Assim será dada a unidade na nova linguagem dos novos elementos construtivos de forma respeitosa e, ao mesmo tempo, com personalidade própria. Novamente teremos o diálogo sem sobreposição, mas também sem submissão entre o novo e o antigo.
OS VÁRIOS TEMPOS REVELADOS
Para as novas janelas do hotel serão utilizadas exatamente as mesmas aberturas existentes nas velhas parede de pedras. Novas esquadrias serão introduzidas e fixadas pelo lado interno dessas paredes, sem divisões ou desenhos (apenas vidro antirreflexo) que, vistas do exterior guardarão a imagem de vazios ou “buracos” na fachada do velho convento.
Os telhados, hoje inexistentes no convento e já sem nenhuma peça de sua estrutura original, não serão refeitos. Optou-se pelo uso de laje jardim com gramado natural e deck solarium de madeira, centralizado e distante das bordas do edifício, para toda a cobertura. Acessado por escada e elevador, será um belvedere sobre o Paraguaçu, um espaço especial de observação, deleite e encontro para os hóspedes do hotel em fins de tarde e noites de verão.
É importante ressaltar que as cimalhas do antigo telhado serão recuperadas e mantidas como marcadores físicos de diferentes tempos. A cobertura plana reforçará a imagem já tão consolidada na paisagem do Paraguaçu e fixada na memória visual em pelo menos um quarto da vida (início do século XX) do conjunto arquitetônico.
Esta é uma atitude de preservação de valores históricos, das marcas do tempo, incluindo, neste caso, o período de abandono, sem prejuízo às novas funções e usos a serem adotados.
A IGREJA E SEUS ELEMENTOS ARTÍSTICOS/ARQUITETÔNICOS
A igreja deverá ser toda recuperada em seu estado original de alvenarias revestidas caiadas e cantarias de pedra à vista (galilé, cunhais, janelas, portais etc.), o que complementará a integração e unidade do conjunto.
O HORTO RECUPERADO QUE ABRIGA NOVOS USOS
Toda a área verde envoltória do convento deverá permanecer o mais intacta possível, com a recuperação e/ou manejo de arvoredos mortos ou afetados por doenças. Nela serão construídos os apartamentos autônomos complementares e a área de apoio e manutenção – necessários ao funcionamento do hotel – de forma discreta e dissimulada em termos de escala (pequena) e posicionamento (afastamento) procurando encaixá-los em clareiras e espaços livres. A casa térrea avarandada existente junto à rua Monte Alegre será mantida e utilizada para alguma das funções hoteleiras.
Dessa mesma forma discreta será construído um pavilhão, entremeado no horto a oeste da igreja, para abrigar o Memorial do Convento. Será um pequeno “museu” a contar a história da ocupação humana na região em seus múltiplos aspectos. Este espaço terá autonomia para visitação pública em relação ao hotel.
Em todas as ações projetuais de paisagismo será buscada a recuperação física e simbólica do antigo horto franciscano, que mesclava pomar de frutas, horta de vegetais comestíveis, temperos, ervas medicinais e experimentos botânicos.
Os antigos aqueduto e vasca originais voltarão a funcionar mesmo que com uso de bombas, trazendo de volta o sentido de sua fascinante presença no horto.
Essa mesma postura deverá ser adotada em relação aos dois lavatórios de pedra remanescentes no térreo do edifício e também ao tanque de água da cozinha antiga.
As áreas de lazer – piscina, spa, brinquedoteca, bar aberto etc. – serão instaladas na lateral norte do convento, a partir do muro frontal ao Rio Paraguaçu, de forma discreta e bem assentada à topografia, sem causar obstrução visual ao convento. A piscina, por exemplo, ficará atrás e abaixo do muro frontal defronte ao Paraguaçu. As demais construções serão encaixadas no aclive do terreno e cobertas por vegetação, de forma a se camuflarem com o horto verde.
Para apoio de lazer e esportes náuticos (guarda de pequenas embarcações, por exemplo), será utilizado o espaço entre o adro da igreja e o convento, que tem fácil comunicação com a área da piscina (pelo subsolo), além do acesso franqueado à rampa existente frente ao rio. Um pequeno deck de madeira deverá ser construído atrás e abaixo do muro frontal junto à rampa de acesso ao rio.
Com este cuidado na implantação das novas edificações, será mantida a moldura vegetal do horto a abraçar o conjunto original franciscano.