Vila Nova Esperança

Salvador, BA
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ficha técnica

Ano:
2007
Área:
8.550m²
equipe:
Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz, Anne Dieterich, Carol Silva Moreira, Cícero Ferraz Cruz, Fabiana Fernandes Paiva, Felipe Zene, Gabriel Grinspum, Kristine Stiphany, Luciana Dornellas, Márcio Targa, Pedro Del Guerra, Pedro Vannucchi, Victor Gurgel e Vinícius Spira
Imagens:
Acervo Brasil Arquitetura
Premiações:

2008 – vencedor Prêmio IAB-SP, categoria Habitação de Interesse Social / Produção Pública, Instituto de Arquitetos do Brasil, São Paulo

Descrição:

Devemos adentrar as entranhas do tecido urbano, social e fisico; nem sobre, nem sob, nem de um lado nem de outro: entre.

Nossas ferramentas de intervenção devem ser cuidadosas, delicadas, mas também contundentes.

Projetar é captar e inventar o lugar a um só tempo.

Há projetos de arquitetura que se impõem soberanos em grandes espaços livres, situações aprazíveis e visíveis à distância, e há outros projetos que se acomodam em situações adversas, espaços mínimos, nesgas de terrenos comprimidas por construções preexistentes. No nosso caso, a Vila Nova Esperança, estamos tratando destes últimos, os “outros”. E não é por decisão voluntária (do arquiteto) que optamos por essa ou aquela abordagem e direção a tomar. O que nos leva a uma escolha conceitual é, precisamente, a natureza do lugar. A compreensão do espaço enquanto resultante de fatores sóciopolítico-ambientais tecidos ao longo de muitos anos – ou séculos – de formação da cidade. Compreender o lugar é entendê-lo não somente como objeto físico, mas como espaço de tensão, de conflitos de interesses, de subutilização ou mesmo abandono; tudo importa.

Se, por um lado, nosso projeto deve responder à demanda de um programa objetivo e necessário considerando diversos novos usos e priorizando a habitação com dignidade, ele deve também ser uma resposta clara e transformadora para uma situação humana, física e espacial preexistente, viva e fortemente presente: nosso projeto deve criar novos espaços de convivência a partir da geografia urbana, da história do local e dos valores contemporâneos da vida pública que ali se impõem.

Em poucas linhas, poderíamos dizer que nosso “lugar de projeto” é marcado por:

– memórias do passado remoto ou mais recente, retratadas nas ruínas da antiga Vila Esperança, nos casarões do Taboão e da Alfredo Brito, nos muros de pedra que há séculos sustentam os patamares da encosta, verdadeiras obras primas da engenharia;

– acertos e desacertos de um urbanismo que sempre se submeteu à idéia do lote, à lógica da propriedade privada da terra. Ele é subproduto dessa lógica – fundo de lotes ou miolo de quadra;

– uma vegetação exuberante, com grandes árvores, coqueiros, pés de frutas, com o mato, o indomável melão de São Caetano e as pequenas hortas: a verdura que ocupa toda a encosta;

– uma rica vizinhança urbanística e predial de importância histórica e, ao mesmo tempo, por uma situação complexa e de difícil solução, relativa a questões importantes tais como insolação, salubridade segurança e conforto – algo comum a quase todo o centro histórico da cidade;

– uma situação humana diversa e vital, onde se mesclam classes sociais, conflitos e tensões, convivência e busca de tolerância, enfim, urbanidade;

– e, por fim, nosso ‘lugar’ contém o ingrediente mais fértil para o desenvolvimento de um projeto sócio-arquitetônico que é o desejo de transformação.

Nossa proposta para a Vila Nova Esperança nasce justamente desta postura que toma como programa a realidade cultural e socioeconômica, os anseios e sonhos da comunidade, a paisagem natural e a paisagem histórica construída, todos juntos – elementos que se somam e se interpenetram.

Por uma porta da casa 16 da Rua Alfredo de Brito, quase no Largo do Pelourinho, adentramos uma antiga invasão de moradores da encosta que separa a Cidade Alta da Cidade Baixa de Salvador, conhecida por Rocinha ou Vila Nova Esperança. São 66 famílias – quase 150 pessoas – vivendo em ruínas de antigas construções e barracos de madeira e alvenaria, em condições de extrema precariedade em todos os sentidos da palavra.

No entanto, por sua situação privilegiada – a dois passos do Pelourinho – e pela história de resistência de mais de 20 anos, essa gente se sente altiva e orgulhosa de si. É uma comunidade organizada, com lideranças eleitas em uma diretoria representativa, que faz o diálogo com as autoridades publicas. Mas não é um mar de rosas de consenso e amizades. É também refugio de traficantes que, à boca pequena, são indesejados pela maioria dos moradores.

Na vegetação exuberante de grandes árvores, palmeiras e bananeiras que preenche toda a área ocupada, já se podem notar clareiras recentes de cortes de árvores que, a continuar, poderão comprometer a paisagem verde da encosta.

A presença de ruínas de antigas casas no platô superior, junto ao casario da Rua Alfredo Brito, e de muros de pedras que arrimam o terreno em compassos de aproximadamente 10 metros de um ao outro, é a grande “dica” para a elaboração do projeto de ocupação, circulação e estruturação. Estes muros, ou muralhas, representam o que há de melhor do ponto de vista da técnica e da engenharia na construção da cidade colonial de Salvador, em terreno tão acidentado. Eles sobrevivem há séculos com enorme eficiência. Portanto, revelá-los aos olhos da população será missão apriorística do projeto.

A Vila Nova Esperança é a antiga Vila Esperança que ganha o “Nova” com a esperança redobrada nesse projeto. Ao saber que no início do século passado já existia ali a ocupação da Vila Esperança, ficamos um tanto aliviados. Afinal, por nossa formação urbanística e consciência da importância da preservação da paisagem verde, devemos ser contra qualquer ocupação da área da encosta, que separa as cidades alta e baixa, a não ser com o incremento de mais vegetação. Mas existem ali ruínas das antigas casas da Vila Esperança que poderão e deverão se transmutar em nossas novas habitações para grande parte das famílias que ali vivem. Deveremos ainda contar com os pavimentos superiores das casas da ladeira do Taboão para acomodar algumas famílias, seja no sentido de valorizar e preservar o já existente, seja no sentido de minimizar a ocupação do solo na encosta.

É diante desse mix de situações que devemos refletir sobre que projeto apresentar e que tecnologia e materiais utilizar. A Vila Nova Esperança é um dos poucos focos de resistência social no Centro Histórico a sobreviver depois da “avalanche” urbanística que por aí passou nos últimos anos, com o programa de recuperação.

Mas, duas advertências devem ser feitas e observadas durante o desenvolvimento e implantação do projeto:

1. Não podemos “guetificar” a Vila Nova Esperança; não devemos criar um conjunto residencial autônomo, independente, que venha a competir com a cidade existente a “dois passos” dali, que é o Centro Histórico com suas ruas, escolas, centros comunitários, bares, etc.

2. Não devemos abdicar de nossa contemporaneidade enquanto proponentes de um novo espaço. Não vivemos no passado e nem no futuro, mas no presente. Mais do que viver no presente “somos o presente”. Portanto a linguagem arquitetônica deverá expressar nosso tempo atual em todos os seus aspectos e sentidos.

Isso é um começo de um grande desafio arquitetônico que tem um objetivo claro e justo, socialmente falando.

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