Requalificação do Bairro Amarelo

Berlim, Alemanha

ficha técnica

Ano:
1997
equipe:
Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz, Nina Nedelikov e Pedro Moreira
Área:
-
Premiações:
Vencedor de concurso internacional fechado 1997Vencedor Expo 2000, Projeto Global, Hannover, Alemanha
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Imagens
Frank Ludwig, Isabel Simon, Pedro Moreira, Pilar de Melo Mandelik Pelho e Rodrigo Izecson
Descrição:
A dificuldade para encontrar uma palavra que defina este projeto – que já foi batizado de revitalização, recuperação, recaracterização, remodelação, repaginação e até de reforma – está diretamente relacionada ao fato de não se tratar de um projeto de arquitetura ou urbanismo na forma tradicional. Já se chegou a identificá-lo apenas como uma intervenção “na pele” de um conjunto habitacional, ou intervenção “superficial”, como se a pele não fizesse parte indissociável do corpo, como se ela não fosse a superfície vital de percepção do meio, a primeira a reagir ao contato e a transmitir sensações.

Antes de abordar o resultado concreto da intervenção, torna-se portanto imperativo pensar sobre a característica do projeto e o discurso que o precede, sobre a realidade contemporânea que o tornou inevitável. Com a destruição do muro que dividia Berlim e o início de um processo de reunificação da Alemanha, até mesmo a arquitetura de Berlim Oriental teve de ser revista e repensada nesse novo contexto. A principal crítica aos infindáveis conjuntos habitacionais – solidamente construídos com blocos de pré-moldados, dotados de boa infra-estrutura e implantados em meio a áreas livres comuns – estava fundada na sua uniformidade e monotonia. Inúmeras iniciativas foram promovidas para individualizar os conjuntos habitacionais, para reformular essa paisagem urbana que se tornou a consubstanciação dos espaços desagregadores típicos da realidade globalizada, exemplos contundentes dos “não-lugares” definidos pela antropologia da contemporaneidade. Além de símbolos de uma ideologia e de uma forma de viver que se desejava apontar e mudar.

O desafio era construir um novo universo significativo, mesmo que se tivesse de lançar mão de referências e identidades específicas, distantes da cultura e da geografia alemãs, desde que pudessem se comunicar pela força de sua expressão artística e cultural e pelo gesto delicado mas decidido na direção da agregação e da humanização, contra a realidade supermoderna da solidão dos espaços opressivos e sem referências.

A área de Gelbes Viertel (Bairro Amarelo), no centro de Hellersdorf, bairro da antiga Berlim Oriental, reúne um conjunto que abriga 12 mil pessoas em 3.200 apartamentos construídos com pré-moldados e ocupados por famílias de técnicos e profissionais liberais. A decisão de criar uma identidade para esse conjunto reuniu 56 escritórios de arquitetura da América Latina num concurso que se propunha a requalificar o conjunto.

Na proposta vencedora, o Brasil Arquitetura retoma de maneira clara o discurso que vem pautando a obra do escritório desde o início, um discurso de frases e citações da arquitetura,da história e da cultura brasileiras nos seus diferentes tempos e matizes, inclusive o popular e o vernacular. Assim, o projeto é estruturado por quatro idéias básicas. A primeira diz respeito à sinalização das quatro entradas principais do bairro com praças retangulares de 15 m por 40 m, cada uma delas personalizada com a instalação de uma obra de arte significativa dos escultores brasileiros Amilcar de Castro (obra em aço, com acento na geometria), Frans Krajcberg (obra em madeira, simbolizando o resgate da natureza), Miguel Santos (obra em cerâmica, expressando a diversidade social) e Siron Franco (obra em concreto armado, homenageando a cultura dos povos indígenas).

O segundo ponto diz respeito ao tratamento cromático. Os edifícios deixam de ser cinzentos para receber pintura branca, remetendo à cal leitosa aplicada sobre as paredes coloniais da América, tanto a espanhola como a portuguesa. Dois barrados, um no térreo, outro no coroamento de cada bloco, pintados com tinta pigmentada nas cores azul-ultramar, rosa ou amarelo e executados de maneira desigual e texturizada, marcam e diferenciam os edifícios com cores emprestadas à arquitetura vernacular e ao artesanato dos países latino-americanos.

A terceira idéia remete à presença da tradição moura enraizada na Península Ibérica. Ela é representada primeiro pelos painéis de muxarabis, as tramas de madeira utilizadas desde a época colonial para controle da luz e da privacidade nas construções. Além de substituir todos os peitoris dos terraços, marcando e ritmando as fachadas, os muxarabis estão presentes nas entradas dos blocos, nos acessos das escadas e nas passagens entre blocos, nestes últimos como forros rebaixados que avançam para fora em balanço. Essa espécie de túnel criado pelo forro de madeira tem as paredes revestidas por outro elemento de tradição moura, o azulejo, desta vez decorado com desenhos elaborados pelos índios Kadiwéu, em sofisticadas padronagens gráficas.

A quarta e última idéia que define a estrutura de um projeto arquitetônico voltado à identidade de espaços consolidados está representada no tratamento paisagístico das áreas externas do conjunto habitacional, com ênfase na liberdade formal da composição, na variedade de percursos e de perspectivas para fruição e lazer. Seus elementos principais são o tratamento dos pátios internos e dos caminhos sinuosos pavimentados com mosaico português; a presença de muros azulejados; a opção por massas de vegetação irregulares, de densidade variada, lembrando as formas livres das matas nativas americanas, e a presença constante da água em forma de pequenas cachoeiras, riachos e espelhos.

SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Requalificação do Bairro Amarelo. In: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 52-53.