Grisbi Indústrias Têxteis

Camaçari, BA

ficha técnica

Ano:
1980
equipe:
Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki
Área:
25.781m²
Premiações:
Destaque, categoria Obras, II Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo 1993, Fundação Bienal de São Paulo/Instituto de Arquitetos do Brasil
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Imagens
Marcelo Ferraz
Descrição:
Os edifícios que deveriam abrigar a fiação e tecelagem, localizados no pólo industrial de Camaçari, não constituem uma opera aperta, intencionalmente incompleta e concebida de maneira que cada observador ou fruidor participe de sua criação. Nem uma opera incompiuta, resultado de um processo de concepção abandonado antes do termo. Trata-se de um projeto completo, cuja construção foi interrompida pela venda do patrimônio e pelo desinteresse do novo proprietário, que abandonou o canteiro em seguida, condenando-o ao estado permanente de ruína precoce.

Mas mesmo incompleta a obra já se apresenta como testemunho da concretização do projeto. Faltam caixilhos e acabamentos, falta a cerâmica vermelha nos pisos, falta cor em alguns muros revestidos, faltam jardins sobre lajes, faltam alguns elementos indispensáveis à instalação das funções industriais, mas nenhuma dessas faltas diminui a força de expressão do conjunto de ossaturas expostas ao sol.

No projeto para as indústrias Grisbi, além do respeito ao programa de necessidades funcionais e de desempenho tecnológico, ponto de partida para o desenho de qualquer edifício destinado a abrigar atividades industriais, os arquitetos priorizaram a adequação do conjunto ao seu meio físico-geográfico e cultural. A conseqüência foi um projeto de forte expressão arquitetônica e a previsão de economia substancial, resultante da soma da economia na construção, devida ao emprego de mão-de-obra e materiais da região; da economia de consumo de energia, graças a soluções de projeto que aumentavam o conforto térmico; da economia no processo de produção, decorrente do estudo e racionalização das plantas e do zoneamento das edificações no lote industrial.

No prédio destinado às atividades administrativas, a solução construtiva adotada para amenizar o calor nos ambientes de trabalho foram os sistemas duplos de proteção laje/laje ou laje/terraço. Uma laje de cobertura apoiada em estrutura metálica independente, sem nenhum tratamento, é sobreposta, como um pára-sol, a 1,20 m de uma segunda laje, esta sim tratada e impermeabilizada como parte integrante da grande ossatura estrutural do edifício. Esse grande pára-sol pode receber ainda, sob sua sombra, um alinhamento desencontrado de caixas de alvenaria autoportante de tijolos com laje-jardim na cobertura. Salientes nas fachadas corridas de elementos vazados de concreto, essas caixas circunscrevem salas que se separam dos escritórios panorâmicos centrais pelo grande hall de circulação vertical em pé-direito duplo. Entre a cortina de elementos vazados que fazem o fechamento lateral do edifício e a linha da caixilharia, foi previsto ainda um espaço intermediário de jardins, garantia adicional de umidade e frescor aos ambientes de trabalho.

Elementos vazados de concreto em várias modulações, desenhados pelos arquitetos e moldados no próprio canteiro, fazem-se filtro de luz, cortina de sombreamento ou marcação de ventilação, estando presentes no fechamento lateral do edifício administrativo, ou na linha de ventilação entre as duas lajes sobrepostas no edifício destinado ao vestiário, ou na parede de proteção do terraço de convívio em frente ao restaurante, ou no segundo pavimento da oficina e do edifício da manutenção. Emprestados da tradição da arquitetura brasileira, esses elementos amenizam o calor e colaboraram para que o ar-condicionado só fosse previsto no galpão industrial, para atender aos requisitos técnicos do equipamento que seria instalado ali.

Também a pele dos edifícios deveria ser resistente ao sol. Ao decidir pelo uso do tijolo na alvenaria autoportante ou de vedação das grandes estruturas de concreto, os arquitetos estavam mais do que estabelecendo a óbvia associação com a arquitetura das primeiras indústrias construídas no Brasil – estavam optando pela sabedoria local, pela facilidade e pela economia. O tijolo em Camaçari é barato e abundante, permitindo ainda a utilização de mão-de-obra disponível e numerosa na região. As grandes superfícies de paredes estruturais, que chegam a atingir 1.000 m², como no galpão de produção, são paredes de um tijolo de aspecto irregular justamente porque fazem uso de tijolos de confecção artesanal e diversificada, assentados com juntas largas. Essas superfícies avermelhadas, irregulares na queima, regulares no ritmo e na repetição, são o principal elemento de unidade do conjunto de construções, marcando a oposição fundamental entre a tradição e a realidade locais e a tecnologia industrial transplantada.

Materiais econômicos, simplicidade na construção derivada da sofisticação das soluções construtivas do projeto, programa técnico funcional preciso, são os elementos que se combinaram para vencer a barreira da banalidade das construções industriais e estabelecer relações de eficiência funcional e de plasticidade. A linguagem é moderna e racional, internacional. Mas o sotaque é local, feito de citações do homem baiano e da sua cultura. O que faz com que essa arquitetura, na sua promessa quase cumprida, seja, antes de tudo, forte.

SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Grisbi Indústrias Têxteis. In: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 24-25.