Casa Mantiqueira

São Francisco Xavier, SP

ficha técnica

Ano:
2000
equipe:
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz
Área:
178m²
Premiações:
-
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Imagens
Nelson Kon e Luis Gomes
Descrição:
A ambivalência já notada em certos aspectos do projeto da Casa Cotia é aqui elevada à categoria de parti pris, idéia fundadora. O contraste entre a imagem de um volume prismático branco criticamente debruçado sobre a ribanceira – com o qual o projeto ilude o observador longínquo – e o
aspecto bucólico de pavilhão avarandado, desdobrando-se internamente em recantos intimistas, é de tal sorte agudo que sugere provocação. E o é, de modo ainda mais instigante, por decorrer de razões muito simples e objetivas e de escolhas todas elas claras e plenamente justificadas. Estamos diante de uma complexidade isenta da carga retórica que habitualmente se desprende dos assemblages difíceis, das mesclas e dos diálogos repletos de segundas intenções.

Neste projeto para uma residência de fim de semana em São Francisco Xavier, na serra da Mantiqueira, nota-se uma acomodação surpreendentemente natural entre elementos tão díspares como a generosa vitrine panorâmica rasgada no muro branco da sala – através do qual se descortina uma vastidão de montanhas – e a lareira de pedras rústicas, o fogão caipira ou o pilar de tronco retorcido na passagem para os quartos, que, mesclados no mesmo ambiente de estar, anunciam outras singelezas em áreas mais íntimas, feitas de terraços com redes, forno de barro e caramanchão.

Em sua implantação, a casa escorrega para a beira da encosta em vez de comodistamente repousar no centro do pequeno platô, todavia disponível. Ao se encontrar com o limite súbito e concreto do terreno, fronteira entre o recolhimento do abrigo e a imensidão do panorama, desenha-se em forma de lâmina incisiva inscrita com formas puras e dimensões monumentais ajustadas à escala da paisagem. Essa barreira simbólica constitui também a proteção funcional necessária contra as investidas de ventos e temporais vindos do sul e prolonga-se além do construído, estendendo seu conforto aos terraços e jardins posteriores. A parede maciça, de raras aberturas tratadas como visores panorâmicos, está para a pouca luz e muita vista de sua orientação assim como estão as varandas e portas venezianas para o aspecto ensolarado e desfrutável do platô contíguo a todo o lado norte da moradia.

Assim, a convivência entre o sentido espetacular do mirante e a introspecção dessa domesticidade vernacular vai sendo assegurada por uma postura projetual em que a conveniência do que se apresenta para ser vivenciado prima sobre a vocação normativa das tipologias. De resto, uma racionalidade construtiva que não se priva de rigores estruturais e detalhamento minucioso, ainda que não exibicionista, tampouco se perturba pela incorporação de elementos ditos da arquitetura espontânea, operando essas fusões com um senso de praticidade isento de formalismos e, portanto, aberto a tudo o que há para ser descoberto.

CALDEIRA, Vasco. Casa Mantiqueira. In: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 160.