Conjunto KKKK

Registro, SP
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ficha técnica

Ano:
1996
Área:
152.900m²
equipe:
Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz, Anderson Freitas, Carlos Ferrata, Carmem Ávilla, Cícero Cruz, Fabio Mosaner, Juliana Antunes, Paulo Alves e Pedro Barros
Imagens:
Nelson Kon e Acervo Brasil Arquitetura
Premiações:

2002 – Vencedor Prêmio IAB-SP, categoria Revitalização de Edifícios, Instituto de Arquitetos do Brasil, São Paulo

2002 – Finalista III Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Ingeniería Civil (atual Bienal Iberoamericana de Arquitectura y Urbanismo – BIAU), Santiago de Chile, Chile

Descrição:

Em 1918, ano em que foi autorizada a operação no Brasil da Companhia Ultramarina de Desenvolvimento KKKK (Kaigai, Kogyo, Kabushiki, Kaisha), a cidade de Registro, no sul do estado de São Paulo, era um pequeno núcleo urbano estabelecido em função da existência de um posto de registro do ouro que vinha das minas do Vale do Ribeira para ser escoado pelo porto. O grande desenvolvimento da cidade e da região deu-se a partir de 1920, quando a KKKK introduziu 450 famílias nipônicas na colônia de Registro. Coube a essa companhia a venda de lotes para a agricultura – principalmente o cultivo de arroz – e a promoção do escoamento da produção através da abertura de caminhos até entrepostos, portos e a estação terminal da estrada de ferro Santos–Juquiá.

Para sediar suas operações comerciais, administrativas e industriais (beneficiamento de arroz), bem como para estocagem de mercadorias, a KKKK construiu um conjunto de edifícios às margens do rio Ribeira de Iguape, local do primitivo porto de Registro. Em 1924 foram inaugurados quatro galpões em alvenaria de tijolo aparente, destinados ao armazenamento de produtos agrícolas, e um outro em três pavimentos, com as mesmas características construtivas, invólucro do maquinário de beneficiamento do arroz. Os cinco prédios eram interligados por uma circulação externa correndo encostada a uma das fachadas. O conjunto, de tipologia industrial e estritamente funcional, contrastava com as outras edificações que os colonos haviam construído para viver, com forte influência da arquitetura tradicional japonesa.

Iniciativa do Brasil Arquitetura, o projeto de recuperação do conjunto, bastante deteriorado depois de anos de abandono, contou com o apoio da prefeitura de Registro e do governo do estado de São Paulo. A prioridade do projeto foi a restauração e recuperação de um patrimônio histórico reconhecido por tombamento estadual, cujo remanescente físico é depositário da história do município e da origem de grande parte de sua população. Não somente as construções foram restauradas mas ali também foi implantado um projeto de referência histórica, o Memorial da Imigração Japonesa do Vale do Ribeira, museu que conta com significativo acervo de obras cedidas por artistas plásticos de origem japonesa radicados no Brasil, além de fotografias, ferramentas, peças industriais e objetos doados pela população, reunidos para contar a história da imigração japonesa na região.

O segundo aspecto importante é a articulação desse patrimônio revitalizado com sua paisagem histórica e ambiental, relacionando-o com a cidade de Registro e com o rio Ribeira de Iguape num projeto mais amplo, o Parque Beira-Rio. O objetivo é recuperar as margens do rio e controlar as enchentes, integrando o conjunto à cidade através do projeto de uma praça para o mercado, do desenho de eixos de comunicação e fluxo, ações que se somam para recuperar a relação histórica da cidade com seu rio.

Os quatro galpões constituem na verdade dois grandes espaços, ao mesmo tempo unidos e separados por um corredor-jardim fechado com treliças de madeira nas fachadas. Sua área foi destinada a um centro de convívio para a população local, contando com espaços para exposições diversas e para as atividades de cursos e estágios do Centro de Formação
Continuada de Gestores, da Secretaria de Estado da Educação. As paredes de alvenaria portante de tijolos, com seus arcos estruturais aparentes, foram restauradas, mantendo-se as coberturas de telhas de barro sobre tesouras de madeira apoiadas em colunas de aço. A luz natural penetra pelas únicas aberturas originais – semicírculos de ferro e vidro nas bandeiras das portas de correr – e por faixas de telhas transparentes introduzidas na cobertura. A infra-estrutura necessária ao desempenho das novas funções administrativas e pedagógicas, particularmente nos galpões destinados ao Centro de Formação, foi acomodada em blocos soltos de dois pavimentos, localizados no interior desses galpões, interligados entre si e ao espaço dos galpões por escadas e passarelas de concreto.

O edifício de três pavimentos, que abriga o Memorial, também teve seus tijolos e cobertura originais restaurados. A estreita escada de madeira central que une os pisos de madeira foi recuperada. E o edifício recebeu, externamente, acoplado à fachada, um prisma vermelho que serve de invólucro ao elevador de serviço.

Interligando os blocos, uma laje de concreto sobre pilares e uma marquise delgada atirantada – que apenas tangenciam as paredes da velha construção – citam e recuperam a função da circulação original em avarandado de telhas. Essa cobertura articula os edifícios com uma costura contemporânea, criando abrigo e estar cobertos, fundamentais numa região chuvosa e úmida.

O desenho da marquise e a escultura em aço encomendada à artista Tomie Ohtake – gigantesca árvore batizada de Guaracuí, símbolo da cidade enquanto existiu – constituem duas marcas artísticas contemporâneas do projeto, mas sempre referenciadas à história da cidade de Registro e ao KKKK. Uma terceira presença, mais forte e auto-referente em relação ao trabalho dos arquitetos, é um cubo de alvenaria caiado de branco, imaculado, que pousa no jardim. Com a entrada marcada por painéis de treliça de madeira e cobertura atirantada para um palco externo na fachada oposta, o teatro saiu de dentro dos galpões para firmar a assinatura dos arquitetos, respeitosos na intervenção nos edifícios históricos e decididos na afirmação da contemporaneidade de seu trabalho. Em linguagem simples, clara e geométrica, o teatro afasta-se e se diferencia dos galpões, mas mantém o alinhamento e uma relação de escala com eles. Não confunde, não agride, mas também não se submete. Como o leve reclinar do corpo num cumprimento tradicional japonês.

SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Conjunto KKKK. In: FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 42-43.